quarta-feira, 29 de outubro de 2008

ASSEXUARAM O MACACO!

Um filme espetacular. E, ao mesmo tempo, frustrante.

Assim é MIGHTY JOE YOUNG (1949), que nos cinemas brasileiros ganhou o sensacionalista – e, por isso, mesmo ótimo – título de O MONSTRO DO MUNDO PROIBIDO.

Trata-se da terceira “aventura com gorila gigante” dirigida por Ernest B. Schoedsack, que desbravara o filão com o indestrutível clássico KING KONG (1933), co-dirigido por Merian C. Cooper – nas duas “aventuras com gorila gigante” seguintes, Cooper assinaria apenas como produtor.

O sucesso do primeiro KING KONG levou Schoedsack a dirigir no mesmo ano uma continuação meio que feita às pressas, O FILHO DE KONG (1933) – naquela época, não se usava adicionar um algarismo romano ao título original, muito menos ressuscitar um personagem morto só para fazer uma seqüência; daí porque a fórmula de “O FILHO DE...” era tão popular.

Schoedsack e Cooper voltariam a se reunir com o criador dos efeitos especiais dos dois primeiros filmes, Willis O’Brien, para O MONSTRO DO MUNDO PROIBIDO.

Voltava também o ator Robert Armstrong, intérprete do ambicioso cineasta Carl Denham em KING KONG e O FILHO DE KONG, agora no papel de Max O’Hara, um dono de night-club – ambicioso, é claro (na foto abaixo, da esquerda para a direita, Armstrong, Ben Johnson, Nestor Paiva e Terry Moore).

Em busca de uma grande atração para a boate Golden Safari, ele organiza uma expedição à África.

Entre os membros do grupo está o caubói de espetáculos Gregg (Ben Johnson).

Depois de capturar vários leões, os homens de O’Hara travam uma furiosa batalha com Joseph Young, um gorila com mais de 3 metros de altura (grande, mas bem menor que King Kong, cuja altura variava de 5 a 7 metros, dependendo da cena; Joe Young também varia de tamanho no decorrer do filme).

Não tardam a descobrir que o gorila tem dono, a jovem e encantadora Jill Young (Terry Moore).

Filha de um colonizador estrangeiro, provavelmente americano, desde a morte do pai ela vive sozinha com os empregados africanos e seu gorila de estimação nas terras que herdou.

O’Hara logo a convence a ir com eles para a América, onde fará dela (e de Joe Young, obviamente) a principal atração de seu night-club.

Como se vê, é uma versão mais “família” de KING KONG.

Tão família que entre as três “aventuras com gorila gigante” dirigidas por Schoedsack, foi justamente essa que o Estúdio Disney escolheu para refilmar – e há quem diga que o resultado, lançado no Brasil como O PODEROSO JOE (1998), ficou bastante aceitável (abaixo, da esquerda para a direita, o novo Joe Young, a bela Charlize Theron e Bill Paxton).

O que para mim parece inaceitável é o processo de castração ao qual o diretor Schoedsack submeteu seus gorilas gigantes.

De KING KONG para O MONSTRO DO MUNDO PROIBIDO, eles diminuem não é só em tamanho, mas também em libido.

O fato de Joe ter o mesmo sobrenome da heroína, Young, evidencia que ele não passa de um irmãozinho para ela.

Sente-se confortável nessa situação, não demonstrando ciúme algum quando Jill se apaixona por Gregg.

Tudo que ela pede, Joe Young faz, como se fosse um cãozinho adestrado.

Ao fazer tal opção, Ernest B. Schoedsack renega ou demonstra não se dar conta do que havia de mais sedutor e impactante em KING KONG: a paixão carnal do símio gigante por Ann Darow (Fay Wray).

Não se tratava de afeição, nem de amor, mas de desejo sexual.

Desde o início, até por uma questão de estatura, ficava definida a impossibilidade da concretização daquele desejo.

E, conseqüentemente, a tragédia pairava no ar, quase palpável.

Se o gorila de O MONSTRO DO MUNDO PROIBIDO é assexuado, o que mantém o espectador grudado na poltrona até o fim?

Os hipnóticos efeitos especiais em stop motion (a técnica pela qual bonecos são manipulados, movimentados e fotografados quadro a quadro).

Produzido 16 anos depois de KING KONG, O MONSTRO DO MUNDO PROIBIDO apresenta resultados técnicos bem superiores, por sinal premiados com o primeiro Oscar de efeitos especiais da história da Academia.

Apesar do crédito a Willis O’Brien, o principal responsável pelas animações no filme foi o jovem Ray Harryhausen, fazendo sua estréia em longas-metragens (na foto abaixo, ele com o boneco de Joe Young).

As sessões da tarde de gerações e gerações futuras não seriam as mesmas sem a magia dos filmes com efeitos de stop motion a cargo de Harryhausen – JASÃO E OS ARGONAUTAS (1963), AS NOVAS VIAGENS DE SIMBAD (1974) e SIMBAD E O OLHO DO TIGRE (1977), para citar poucos.

Do trabalho dele a partir dos desenhos de O’Brien vêm os momentos mais cativantes de O MONSTRO DO MUNDO PROIBIDO, como a luta de Joe Young contra os leões e a seqüência em que caubóis tentam laçá-lo em plena selva africana.

Particularmente poética é a imagem da plataforma sobre a qual Jill toca piano se erguendo do palco como que por mágica, até que holofotes revelem nosso amigo Joe Young dando uma mãozinha.

Os realizadores do filme poderiam ter se contentado com a perfeição técnica de seu gorila, mas fizeram questão de ir além.

Quase no final, de maneira um tanto abrupta até, entra na história um orfanato em chamas.

Jill, Gregg e Joe Young desistem de fugir da polícia e param para ajudar as criancinhas em perigo.

Aqui, Joe Young se revela mais dócil até que Maguila, o Gorila dos desenhos de Hanna-Barbera.

Mas do ponto de vista técnico, toda a seqüência, fotografada em tons avermelhados de sépia, constitui um primor.

Atores interagem com bonecos e maquetes como se a vida toda tivessem habitado a mesma dimensão.

Tudo é tão perfeitamente realizado que você até esquece do final bocó que vem logo em seguida.


RANKING RP DAS 5 MELHORES FRASES EM CARTAZES
DAS IMITAÇÕES DE KING KONG











5) “Dez toneladas de fúria animal pulam da tela. Não confundir com KING KONG”, da produção coreana A*P*E (1976)














4) “Os dois mais poderosos monstros de todos os tempos no mais colossal conflito que a tela já conheceu!”, do clássico japonês KING KONG VS. GODZILA (1962)














3) “Arrancados de seu paraíso selvagem... Traídos por aqueles em quem confiaram... Destruição para todos!”, de MIGHTY PEKING MAN (1977), produção made in Hong Kong






2) “O que uma mulher faria para sobreviver?”, de KING OF KONG ISLAND (1968), título com que foi lançado nos Estados Unidos um filme italiano que não tem nem gorila gigante, nem ilha – mas conta com a beleza da atriz brasileira Esmeralda Barros















1) “Ela está num daqueles dias outra vez!”, da co-produção britânico-franco-germânico-italiana QUEEN KONG (1976)

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

OS TRÊS PATETAS: CENAS RARAS (THREE STOOGES: EXTREME RARITIES, 2007) e OS TRÊS PATETAS: MELHORES MOMENTOS (THREE STOOGES: GREATEST ROUTINES, 2007)

Lançados nos Estados Unidos pela Legend Films e aqui no Brasil pela NBO, trata-se de dois DVDs obrigatórios para os fãs do “trio mais biruta das telas” – ainda mais a R$ 12,90 cada um, como você encontra na 2001 Vídeo.

Atenção: dizer que é “obrigatório para fãs” não significa dizer que são ótimos. Longe disso.

CENAS RARAS traz um pequeno documentário sobre a trajetória dos Três Patetas, iniciada em 1925; trailers de dois dos seis longas-metragens estrelados pelos rapazes (na época, já não tão rapazes assim) entre 1959 e 1965; alguns comerciais; e três insanas performances no programa televisivo STEVE ALLEN SHOW, em 1959.

MELHORES MOMENTOS (não se deixe enganar pelo título) nada mais é que os esquetes exibidos antes e depois dos desenhos animados do trio, com os próprios, em carne e osso, fazendo suas patetadas.

Os desenhos eram fraquinhos (há três deles como extras no DVD). Apesar de um pouco melhores, os esquetes live-action padecem de roteiros infantilóides e pobreza na produção.

O grande mérito dos DVDs é evidenciar o talento cômico do quarto terceiro pateta, o quase sempre execrado pelos fãs Joe DeRita.

Explico: os Três Patetas, na verdade, eram seis (no quadro abaixo, sempre da esquerda para a direita: Moe, Larry e Curly na primeira fileira e Shemp, Joe Besser e Joe DeRita na segunda).

A primeira formação foi reunida por Ted Heally, um comediante texano de enorme sucesso no teatro vaudeville norte-americano dos anos 1920 – a breve seqüência de um velho curta-metragem no qual ele aparece com o trio no DVD CENAS RARAS não dá pista alguma da razão de tal sucesso, visto que Heally sempre encarna um tipo rude e desengraçado.

Nos palcos, Heally usava como “escadas” (cômicos secundários que preparam a piada para o protagonista) os irmãos Moe e Shemp Howard – Moe é o brigão de cabelo tigela; Shemp, o idiota com cabelo dividido ao meio.

Quando em 1925 juntou-se à trupe Larry Fine, o do cabelo estilo palha de aço, estavam criados os Three Stooges (a palavra stooge significa algo como “capacho” e era usada para designar o “escada” no teatro vaudeville).

Em 1932, farto das constantes ameaças e bebedeiras de Heally, Shemp, o mais velho dos Howard, abandonou o barco.

Para substituí-lo, Moe recrutou seu irmão caçula, Jerome Howard.

Gordinho, de cabeça raspada e apelidado de Curly (“encaracolado”, em inglês), ele se tornaria o mais amado dos Patetas.

Moe, Larry e Curly mandaram Ted Heally plantar batatas e assinaram um contrato com a Columbia para uma série de curtas-metragens – o primeiro deles lançado em 1934.

Durante a filmagem do curta de número 97, em 1946, um derrame colocou fora de combate o pateta de maior talento, Curly.

Começaria então a linhagem dos “Terceiros Patetas”, sempre com Moe e Larry encabeçando o time.

Substituto natural do irmão caçula, que morreria em 1952, Shemp voltou ao posto que já havia ocupado nos palcos.
Ele fez 77 curtas dos Três Patetas até ser vitimado por um ataque cardíaco em 1955.

Joe Besser (1907-1988) assumiu o posto em 1956. Para mim, foi o início da pior fase dos Patetas.
Gordinho e careca, Besser não chegava aos pés de Curly ou aos joelhos de Shemp.

Encarnava um tipo meio efeminado, espécie de adulto com mentalidade de bebê.

Para piorar, exigia que Moe não o espancasse nos filmes – conseqüentemente, Larry passou a ser o único saco de pancada e a receita do humor da trinca desandou.

Em dezembro de 1957, a Columbia desativou seu departamento de curtas e botou os Três Patetas no olho da rua, sem ao menos dizer obrigado pelos quase 24 anos de bons serviços prestados.

No total, Moe, Larry, Curly, Shemp e Joe rodaram 190 curtas-metragens para o estúdio.

Moe e Larry planejavam continuar a carreira se apresentando em night clubs, mas Joe recusou o convite.

Então, o inesperado aconteceu.

Em janeiro de 1958, os curtas dos Três Patetas começaram a ser exibidos na televisão.

E uma nova geração de crianças caiu de amores por aqueles atores que pareciam personagens de desenho animado, com seus arroubos de violência dos quais ninguém saia ferido.

Joe DeRita foi agregado ao grupo para uma série de shows. O primeiro deles, em outubro de 1958, foi um desastre.

Filho de uma dançarina e de um técnica de palco, DeRita crescera habituado à idéia de que “o show não pode parar”.

Seguiu ensaiando e em pouco tempo já havia se tornado um perfeito terceiro pateta.

Não hesitou em adotar o nome artístico de Curly-Joe, que fazia menção a dois de seus antecessores no posto.

Conforme a audiência dos curtas crescia na TV, vieram os convites para participações em programas de variedade como o de Steve Allen.

Histórias em quadrinhos.

Desenhos animados.

E até longas-metragens, um deles produzido pela Fox e os outros cinco pela, vejam só, pela Columbia.

A apresentação em feiras e eventos lhes rendeu a fortuna que seus curtas nunca lhes havia propiciado – e Joe Besser deve ter morrido arrependido da decisão de abandonar o grupo.

Se muitas crianças não se davam conta de que aquele Curly não era o mesmo dos curtas mais engraçados que viam na TV, Joe DeRita merece o crédito.

A missão dele não era suprir a ausência de um pateta qualquer, e sim do mais popular de todos eles – algo como substituir o Didi nos Trapalhões, para usarmos um exemplo nacional.

Entre os vários fatores que podem ter contribuído para que Curly-Joe caísse em desgraça entre os fãs, está a idade avançada de seus colegas de cena.

Embora continuasse sendo o cérebro do grupo, Moe era 12 anos mais velho que ele; Larry, 7 anos. Não tinham a mesma energia (nem a mesma quantidade de cabelo) dos tempos em que contracenavam com o Curly original.

Além disso, diante das insistentes reclamações de associações de pais e mestres, os Patetas tiveram de diminuir a violência de seus números.

Para piorar, os roteiros não eram mais tão bons quanto os de outrora, como bem demonstram os números contidos no DVD MELHORES MOMENTOS.

Mas nas apresentações no STEVE ALLEN SHOW vistas em CENAS RARAS, fica evidente o timing de Curly-Joe e sua perfeita interação com Moe e Larry ao recriar velhas rotinas dos Três Patetas.

Primeiro, eles entram cantando versos como “We’re back again / Back again / It’s great to say hello / Hello, hello, hello”, para em seguida fazerem o esquete da operação, de um humor negríssimo.

Depois, Moe incorpora um diretor de cinema, Larry um astro de faroeste e Curly-Joe seu desafortunado dublê.

Para terminar, uma rotina clássica: a do Marajá (Curly-Joe) que não enxerga um palmo diante do nariz, mas se diz um exímio atirador – e usa Larry para demonstrar suas habilidades.

Genro de Moe e diretor de alguns longas dos Três Patetas, Norman Maurer parece ter matado a charada sobre Joe DeRita: “Ele foi o melhor substituto de Curly que os Patetas tiveram. Joe era ótimo em improvisações. Ele era como Curly em muitos aspectos, com seu peso e sua graça de balé. Joe podia fazer uma dancinha – não exatamente como Curly, mas de maneira quase tão graciosa, e era difícil acreditar que um cara daquele tamanho estivesse fazendo aquilo”.

Fora dos palcos e das telas, DeRita gostava de música clássica.

Fora e dentro dos palcos e das telas, curtia um charuto, que Moe vivia amassando na cara dele.

Em tempos politicamente corretos como os de hoje, soa estranho que um personagem infantil pudesse fumar à vontade em cena.

Joe DeRita também pode ter desagradado os fãs ao dar a seguinte declaração: “Eu não acho que os Patetas eram engraçados. Eu não estou zoando, estou dizendo a verdade – eles eram físicos, mas eles não tinham nenhum humor em cima deles. Pegue, por exemplo, o Gordo e o Magro. Eu posso assistir a seus filmes e ainda rir deles, e talvez eu já tenha assistido a esses filmes quatro ou cinco vezes. Mas quando eu vejo aquela torta ou aquele garrafa-sifão de soda, eu sei que aquilo não está ali por acaso. Vai ser usado para algo. Eu estive com os Patetas por 12 anos e foi uma associação muito prazerosa, mas eu simplesmente não acho que eles eram engraçados.”

Excesso de arrogância? Ou de modéstia?

Seja como for, CENAS RARAS e MELHORES ROTINAS serviram para me convencer de que o quarto terceiro pateta foi, sim, um comediante de recursos.

Se isso significa que os fãs dos Três Patetas passarão a boicotar meu blog, paciência.

E você? O que achava de Curly-Joe DeRita (1909-1993)?


P.S. 1: Após a morte de Larry, em 1975, Moe chegou a planejar uma quinta formação dos Três Patetas. Emil Sitka, excelente coadjuvante que pode ser vista em vários quadros do DVD MELHORES MOMENTOS, faria o papel de Harry. Com a morte de Moe no mesmo ano, só restou esta foto.




P.S. 2: Décadas após o fim do trio, os Patetas continuam rendendo boas piadas visuais nas mãos dos fãs. É o caso desse cartaz que lança o Curly original para presidente dos Estados Unidos. Páreo duro para o Bush substituto daquele outro Bush.















P.S. 3: Outro bom exemplo. Aliás, ótimo.








P.S. 4: O Brasil também teve sua versão dos Três Patetas. Entre 1979 e 1982 a TV Tupi levou ao ar o infantil OS PANKEKAS, estrelado por Mário Alimari, Sandrini e Rony Cócegas. Devem ter feito algum sucesso, pois até um filme ganharam: OS PANKEKAS E O CALHAMBEQUE DE OURO. Se alguém aí tiver uma cópia, escreva para mim.

domingo, 19 de outubro de 2008

interlúdio: filmes que só a gente não viu

Uno-me ao Leandro Caraça, do blog VIVER E MORRER NO CINEMA, para lamentar a ausência entre os 453 filmesde 75 países na programação 32ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO do filme coreano THE GOOD, THE BAD AND THE WEIRD (2008), de Jee-Woon Kin - que por sinal esteve presente no FESTIVAL DO RIO 2008.

O FESTIVAL DO RIO, aliás, teve anos atrás uma retrospectiva da obra do gênio Sergio Leone, que a MOSTRA também não trouxe.

Ao que parece, Leon Cakoff não gosta de westerns...

Uma pena.

Fiquemos com o trailer, que fala por si:

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

MAMMA MIA! O FILME (MAMMA MIA! THE MOVIE, 2008)

Eu consigo acreditar que um astro do porte de Don Lockwood se apaixone por Kathy Selden, uma corista em início de carreira. E que a escale para dublar a voz de gralha de sua co-estrela, Lina Lamont, numa produção hollywoodiana.

Eu também acredito na possibilidade da socialite Milo Roberts bancar a marchand de Jerry Mulligan, um pintor norte-americano expatriado em Paris, só para conquistá-lo. E que Jerry possa, por sua vez, trocá-la pela encantadora francesinha Lise Bouvier.

Aceito na boa que o artista circense Serafin finja ser o pirata Macoco com que sonha a casta Manuela Alva só para ganhar o coração dela – muito embora o verdadeiro Macoco esteja bem mais perto do que eles imaginam.


Por mais que me esforce, porém, não consigo acreditar que quando jovem Donna Sheridan (Meryl Streep) tenha dormido com Sam Carmichael (Pierce Brosnan), Harry Bright (Colin Firth) e Bill Anderson (Stellan Skarsgård) – um de cada vez, bem entendido – conforme se vê em MAMMA MIA! (2008).

Trata-se de uma adaptação para o cinema de um musical estreado em 1999 no West End londrino e três anos depois na Broadway, sempre com enorme êxito de público.

No libreto, Donna Sheridan vive com sua única filha numa ilha grega, onde administram um hotel caindo aos pedaços.


Em segredo, a moça convida para seu casamento os três homens que podem vir a ser seu pai, cuja identidade a mãe se recusa a lhe revelar.

O grande diferencial da peça reside na trilha sonora, que se vale de antigos hits da banda sueca de pop-rock ABBA para “amarrar” a história.

Dirigida por Phyllida Lloyd, também responsável pela primeira montagem teatral, a versão para o cinema serve apenas para provar que MAMMA MIA! nada tem de cinematográfico.

Não é porque os personagens cantam (mal) e dançam (pessimamente) o tempo todo que um filme pode prescindir por completo da verossimilhança.


A personagem de Meryl Streep não parece conhecer realmente os aldeões gregos que trabalham em seu hotel.

O extinto trio vocal Donna e as Dynamos, formado pela protagonista mais duas amigas, parece nunca ter existido – e a seqüência em que as três se reúnem para animar uma festa beira o ridículo, no mal sentido.

As duas melhores amigas de Sophie Sheridan (Amanda Seyfried), a noiva, cantam HONEY HONEY com ela no começo do filme e depois, sem mais nem menos, praticamente desaparecem da história.


Sky (Dominic Cooper), o noivo, fica furioso ao descobrir que Sophie convidara os três prováveis pais dela para a festa. Poucas cenas adiante, espera-a sorridente no altar, como se a briga nem tivesse ocorrido.

O que, então, impede o espectador de deixar o cinema antes do filme acabar?


O bem-dosado equilíbrio entre as canções do ABBA, ora mergulhando de cabeça na linha dor-de-cotovelo, ora esbanjando alto-astral – muita gente vai se surpreender ao descobrir que aquelas músicas tantas vezes ouvidas nos programas radiofônicos de flashback pertencem à mesma banda.

Sem as composições de Benny Andersson, Björn Ulvaeus e Stig Anderson, o filme de Phyllida Lloyd seria insuportável.

Outra séria deficiência da empreitada diz respeito às coreografias – ou à falta delas.



Grandes coreógrafos como Michael Kidd, Robert Alton, Nick Castle, Hermes Pan e Gene Kelly, que erigiram alguns dos mais belos balés já encenados diante de uma câmera, cobririam o rosto de vergonha diante de MAMMA MIA!

Os personagens não dançam, não vibram, não sapateiam. Cantam uns para os outros, como se estivessem num teatrinho do colégio.

O número com THE WINNER TAKES IT ALL sintetiza bem as limitações do projeto.

A letra corta-pulsos da canção, embora belíssima, não se encaixa muito bem na história. E Pierce Brosnan e Meryl Streep simplesmente não sabem o que fazer em cena:





Digam aí se não lembra a banda performática Vexame cantando SIGA SEU RUMO, hino brega gravado originalmente pela dupla argentina Pimpinela:







P.S. 1: Serafin é o personagem de Gene Kelly em O PIRATA (1948), de Vincente Minnelli. Judy Garland interpreta Manuela Alva




P.S. 2: Jerry Mulligan é o personagem de Gene Kelly em SINFONIA DE PARIS (1951), de Vincente Minnelli. Leslie Caron faz Lise Bouvier, cabendo a Nina Foch o papel de Milo Roberts



P.S. 3: Don Lockwood é o personagem de Gene Kelly naquele que eu considero o maior filme de todos os tempos: CANTANDO NA CHUVA (1952), dele e Stanley Donen. Debbie Reynolds e Jean Hagen vivem Kathy Selden e Lina Lamont, respectivamente












P.S.4: Gene Kelly era foda!

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O RETORNO DE HÉRCULES (HERCULES RETURNS, 1993)

MAIS ENGRAÇADO QUE GANDHI! MAIS SEXY QUE A PEQUENA SEREIA! MAIS CURTO QUE DANÇA COM LOBOS!

Assim o VHS tupiniquim (lançado pela obscura distribuIdora NCA Pictures) anunciava essa comédia australiana dirigida por David Parker.

O cartaz ao lado não é exatamente desse filme. Ou melhor, é. Mas não é.

Esclareço: trata-se do cartaz turco da produção italiana ERCOLE, SANSONE, MACISTE E URSUS, GLI INVINCIBILI (1964), de Giorgio Capitani.

É um filme da fase final do ciclo dos pepla – anote aí: pepla é o plural de peplum, um tipo de saiote usado por homens na Antiguidade que foi adotado para definir um tipo de produção pé-de-chinelo feita na Itália sobre heróis mitológicos vividos por atores-halterofilistas.


Valia de tudo: semideuses gregos, personagens da Bíblia, guerreiros romanos...

Quando o subgênero começou a definhar, os produtores promoveram uma mistureba sem-fim – teve até aventura reunindo Maciste com Zorro, o justiceiro mascarado do século 19.

Desrespeitando tempo, espaço, geografia e mitologias, o filme de Capitani reunia Hércules (Alan Steel), Sansão (Nadir Baltimore), Maciste (Howard Ross) e Ursus (Yann L’Arvor) numa espécie de “Superamigos da Antiguidade”.

Não foi concebido para ser engraçado, até que o produtor australiano Phil Jaroslow assistiu à dupla Doube Talk dublando a fita ao vivo num show que levava a platéia a se contorcer de tanto rir – Des Mangan fazia as vozes masculinas e Sally Patience, as femininas.

Nasceu assim o hilariante O RETORNO DE HÉRCULES (1993), cujo cartaz orignal você confere abaixo.


Em 8 dias de filmagem, David Parks rodou um fiapo de história, sobre um ex-funcionário de uma grande cadeia de cinemas que resolve reabrir um velho cinema de bairro.

Para a reinauguração, é programada um peplum. Mas o ex-patrão do rapaz sabota a empreitada, fazendo com que a cópia do filme chegue à cabine de projeção com o áudio original, em italiano.

Daí em diante, assistimos à fita sendo dublada em inglês durante a projeção, com o rapaz e seus amigos fazendo todas as vozes da cabine (na verdade, as vozes que ouvimos pertencem ao casal do Doube Talk).

Tá, eu sei que o grupo brasileiro Hermes & Renato faz na MTV um programa nessa linha, intitulado TELA CLASS. Acredite: não tem comparação.


Os australianos do Double Talk fazem rir não só com o que dizem, mas também com o modo e o tom como dizem. Há palavrões, sim, mas jamais usados com gratuidade. Para citar só três, entre tantas falas memoráveis:

"Caia na real, mãe. Eu jamais me casaria com um homem que tem mais tetas que eu.”


“Com esses músculos ele parece uma camisinha cheia de nozes."

“Quando seu deus manda descer o cacete em alguém, você obedece. Religião é isso.”

E as piadas não se restringem aos diálogos. Dos movimentos de câmara aos cenários, O RETORNO DE HÉRCULES é um primoroso espetáculo de reconstrução de sentidos e significados.
















P.S. 1: para mim o terceiro melhor peplum de todos os tempos é a segunda aventura de Hércules: HÉRCULES E A RAINHA DA LÍDIA (1959), de Pietro Francisci















P.S. 2: o troféu de segundo melhor peplum de todos os tempos eu entregaria ao filme que desencadeou a febre dos pepla, AS FAÇANHAS DE HÉRCULES (1959), também do Pietri Francisci













P.S. 3: e o campeão seria HÉRCULES NO CENTRO DA TERRA (1961), de Mario Bava e Franco Prosperi – bem mais do Bava que do Prosperi, é verdade







P.S.4: menção honrosa de peplum que eu mais gostaria de assistir um dia: ZORRO CONTRA MACISTE (1963), de Umberto Lenzi, estrelado pelo mesmo Alan Steel que interpreta Hércules em ERCOLE, SANSONE, MACISTE E URSUS, GLI INVINCIBILI e, por extensão, também em O RETORNO DE HÉRCULES